Fomos todos apanhados de surpresa nisto. Nenhum pai, nenhuma mãe, nenhuma avó ou avô alguma vez imaginaram ter um dia de contar às suas crianças que haveria um inimigo invisível à solta que os obrigaria a todos a ficar em casa por tempo indeterminado. Quase impossível de acontecer, não? E no entanto, aqui estamos. A verdade é que a vida está carregada de imprevisibilidade e risco, um sem fim de situações que fogem ao nosso controlo e que ainda assim, não nos impedem de viver. Ora quando o mundo inteiro é engolido por um estado de crise como o de uma pandemia, somos todos empurrados a olhar de frente os nossos medos e a angústia imensa que a incerteza no futuro pode provocar. E é precisamente aqui que estamos. E estamos todos, de certeza, a dar o nosso melhor. É difícil mensurar a dimensão das mudanças que enfrentamos ou a grandeza das aprendizagens que fazemos, dia após dia, num cenário como o atual, tal como é importante que não nos esqueçamos da existência de uns olhinhos pequeninos e atentos que nos observam os passos a cada instante e aprendem, com as nossas respostas, a responder ao mundo também.
É por isso fundamental que, enquanto adultos, desenvolvamos a capacidade de apoiar os nossos filhos nesta leitura de um mundo virado ao contrário, ajudando- os a escolher as lentes mais limpas, mais reais e mais partilhadas, que lhes permitam reconhecer a força que lhes mora dentro, e confiar. Para tal, é também importante lembrar que este nosso papel não se esgotará numa conversa, mas será antes uma jornada conjunta, que poderá tornar-se mais afortunada se pensarmos em alguns passos para o caminho:
✓ Tomar consciência da forma como nos sentimos em relação ao desafio.
Enquanto adultos também estamos a lidar com um turbilhão de emoções: o medo, a incerteza perante o futuro, a tristeza de não podermos estar próximos de quem nos é importante, a angústia de não conseguir dar conta do recado… Este sentir da ameaça que o corona vírus representa, faz saltar de dentro de nós um instinto de sobrevivência e de proteção que deve ser refletido e transformado antes de o comunicarmos aos nossos filhos. Se eu tiver consciência daquilo que sinto, da forma como o sinto e daquilo que mais me assusta, mais facilmente eu vou conseguir minorar o impacto que a minha própria perspetiva possa ter nos meus filhos, impedindo que o meu discurso contamine a construção do seu próprio sentir.
✓ Filtrar a informação que nos chega através dos meios de comunicação (e quem sabe até, evitá-la)
A tarefa dos media é exacerbar a informação que assusta, levando-nos a acreditar na necessidade de estar “em cima do acontecimento” para melhor nos protegermos. E se pensarmos bem nisto, já temos toda a informação de que efetivamente precisamos: os comportamentos de prevenção, a importância de evitar o contacto social, a sintomatologia a que estar atento… e isto, é na verdade aquilo que é preciso saber, muito também porque é isto que está ao nosso alcance fazer. O número de mortes no país e no mundo ou a gravidade dos sintomas em casos específicos, constituem domínios que não estão sobre o nosso controlo e por isso aumentam a nossa ansiedade e sentimento de incapacidade. Para além disto, as crianças terão mais dificuldade em filtrar a informação que lhes chega através dos telejornais, podendo facilmente entrar em pânico com a forma como a realidade é neste contexto apresentada.
✓ Ensinar os nossos filhos a protegerem-se, a si e aos outros.
Explicar que o corona vírus tem sintomas semelhantes aos da gripe – febre, dor de cabeça, tosse, e que se transmite através de pequeninas gotículas respiratórias que podem ficar na nossa pele, na roupa ou nas superfícies, é suficiente para que compreendam a importância de desenvolver hábitos de saúde e de proteção individual. Explicar também que a maioria das pessoas conseguirá enfrentar a doença e que apenas uma pequena percentagem delas precisará de assistência médica, mas que é preciso protegermo-nos a todos, evitando que muitas pessoas fiquem doentes ao mesmo tempo. Fazer da lavagem das mãos um rotina frequente e divertida, ensinar a espirrar e tossir para o braço, reforçar a importância de dormir bem e de uma boa alimentação para um sistema imunitário forte, são algumas das ideias que as crianças facilmente aprenderão, compreendendo a sua importância. Agora e no futuro.
✓ Ouvir muito. Sempre.
Enquanto pais, tendemos a achar que temos de ter sempre todas as respostas na ponta da língua e até que devemos anteciparmo-nos às perguntas dos nossos filhos. Um truque importante, que nos ajuda a não nos desviarmos das suas reais necessidades (neste e em todos os temas), é começar todas as conversas pela pergunta: “O que é tu já ouviste dizer sobre esse assunto?” Ouvir primeiro e ir reconhecendo as emoções da criança: “Bem, isso parece realmente assustador…”, será sempre um bom princípio para todas as conversas. Depois deste “apalpar do terreno” estaremos mais capazes (e eles sentir-nos-ão mais próximos) de lhes dar mais informação e substituir algum mal entendido por factos reais e adaptados à sua idade.
E finalmente, porque não substituir o já tão conhecido “Vamos ficar bem!” por um mais consciente e real “Estamos bem!”, convidando também as crianças a um olhar mais presente e atento ao momento que estamos efetivamente a viver, bem como a todas as oportunidades extraordinárias que dele podem advir.
Rita Guapo
Psicóloga e formadora
ritaguapo@pesnalua.pt
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