A maioria de nós, em algum momento (ou muito provavelmente em muitos) desejou ter mais tempo para a família, para estar com os filhos, para fugir à azáfama dos dias e aos horários por cumprir. Depois, caiu-nos ao colo um confinamento forçado e nós agradecemos aos céus a bênção do tempo que aí vinha. A primeira semana foi uma delícia, na segunda ficámos um bocadinho cansados e a partir daí talvez tenhamos começado a perceber que afinal a coisa não era assim tão simples… Até aqui, tudo normal. Estar em isolamento social, fechado em casa 24h, todos os dias, em família e com os filhos, é mesmo um desafio de enorme exigência, um desafio que requer tempo, flexibilidade, adaptação e reconhecimento de que existem forças e fragilidades, nesta que será uma espécie de dança conjunta, diária e ininterrupta. E ainda que não existam fórmulas mágicas porque cada família é um contexto único e muito especial, existem algumas premissas que nos podem ajudar a sobreviver ao desafio e a encontrar respostas mais tranquilas e equilibradas nesta aprendizagem que é de todos nós, todos os dias.
Olhar o tempo que vivemos como um tempo de oportunidade é talvez um dos convites mais bonitos que podemos fazer a nós próprios. Temos ao nosso dispor o medo, a angústia, o bloqueio, o desejo de que tudo não passe de um pesadelo, mas temos também a oportunidade da esperança, da transformação, de um olhar mais atento, a nós e aos outros, do (re)alinhamento das prioridades, do renascer de quem somos, enquanto pessoas e enquanto família.
Por outro lado, o tempo em casa não significa que não possamos ligar-nos aos outros e muitas vezes, é assim que descobrimos e reforçamos laços com aqueles que nos são mais importantes. Valorizar as ligações afetivas e comunitárias e encontrar na força coletiva um dos nossos grandes suportes, é outro dos caminhos que nos trará com certeza muitas aprendizagens que darão frutos futuros e serão incrivelmente inspiradoras aos mais pequenos. Estar em confinamento não significa estar isolado e há muito que se sabe que a conexão com o outro reduz os níveis de stress e ansiedade. Procurar um espaço e um tempo diários para nos ligarmos emocionalmente e com intenção aqueles que estão perto e utilizar o telefone e as videochamadas para nos aproximarmos de quem está longe, serão recursos importantes a este sentido de “sermos com o outro”, que é no fundo o nosso super poder enquanto espécie humana. Para além disso, aproveitar para reforçar o apoio aos vizinhos, envolvermo-nos em iniciativas de apoio social, entre outras, são passos importantes neste sentir de que juntos somos tão melhores. E somos mesmo.
Aprendermos a ser mais flexíveis num tempo que por si só já é tão exigente é outras das premissas que nos ajudará a enfrentar os desafios com um olhar mais realista e até de menor julgamento a nós próprios, algo em que tantas vezes somos peritos. Para os pais que estão em teletrabalho é importante aceitar que a produtividade não será a mesma, reduzindo o nível de exigência e ajustando as tarefas diárias de uma forma mais realista, atenta a todas as solicitações e às dificuldades que encontramos quando não nos é possível ter um espaço apenas destinado ao trabalho. Para além disso, a flexibilidade em relação aos nossos filhos e à mudança que possa surgir nas suas rotinas habituais também ajudará a retirar-nos um peso de cima por sentirmos que as coisas não estão a acontecer como antes. É natural que assim seja porque o momento é mesmo diferente e às vezes difícil e portanto é importante aceitar que provavelmente os nossos filhos recorrerão mais aos ecrãs, que de vez em quando não lhes apetecerá fazer nada e que ainda assim, está tudo bem.
Cuidarmos de nós. Aqui mora a estrutura sólida e à prova de bala de tudo o que possamos construir em família. Gerir as nossas emoções torna-se mais fácil sempre que criamos um ambiente que nos seja cuidador e acarinhe as nossas necessidades individuais, da mesma forma que acarinhamos as dos outros. A experiência da parentalidade é perita em empurrar-nos para segundo plano e a consequência disso é, a curto/médio prazo, a exaustão física e emocional. Encontrar um tempo só nosso, ouvir música, escrever um diário, tomar um banho relaxante, praticar exercício ou só estarmos cinco minutos quietinhos são ideias que ajudam a insuflar o nosso balão de oxigénio, que permitirá também aos outros respirar connosco.
Se juntarmos a isto, um exercício diário de generosidade emocional para connosco próprios, que celebre e relembre tudo aquilo que já fomos capazes de conquistar desde que nos tornámos mães ou pais e desde que somos mães ou pais numa situação tão extraordinária como a de uma pandemia à escala global, estaremos decerto mais perto de apaziguar o nosso coração e de lhe trazer a força necessária ao enfrentar de todos os desafios.
Rita Guapo
Psicóloga e formadora
ritaguapo@pesnalua.pt
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