A pandemia não tem de ser um pandemónio: falar com as crianças sobre o corona vírus.

  • Maio 28, 2020

Fomos todos apanhados de surpresa nisto. Nenhum pai, nenhuma mãe, nenhuma avó ou avô alguma vez imaginaram ter um dia de contar às suas crianças que haveria um inimigo invisível à solta que os obrigaria a todos a ficar em casa por tempo indeterminado. Quase impossível de acontecer, não? E no entanto, aqui estamos. A verdade é que a vida está carregada de imprevisibilidade e risco, um sem fim de situações que fogem ao nosso controlo e que ainda assim, não nos impedem de viver. Ora quando o mundo inteiro é engolido por um estado de crise como o de uma pandemia, somos todos empurrados a olhar de frente os nossos medos e a angústia imensa que a incerteza no futuro pode provocar. E é precisamente aqui que estamos. E estamos todos, de certeza, a dar o nosso melhor. É difícil mensurar a dimensão das mudanças que enfrentamos ou a grandeza das aprendizagens que fazemos, dia após dia, num cenário como o atual, tal como é importante que não nos esqueçamos da existência de uns olhinhos pequeninos e atentos que nos observam os passos a cada instante e aprendem, com as nossas respostas, a responder ao mundo também.

É por isso fundamental que, enquanto adultos, desenvolvamos a capacidade de apoiar os nossos filhos nesta leitura de um mundo virado ao contrário, ajudando- os a escolher as lentes mais limpas, mais reais e mais partilhadas, que lhes permitam reconhecer a força que lhes mora dentro, e confiar. Para tal, é também importante lembrar que este nosso papel não se esgotará numa conversa, mas será antes uma jornada conjunta, que poderá tornar-se mais afortunada se pensarmos em alguns passos para o caminho:

 

✓ Tomar consciência da forma como nos sentimos em relação ao desafio.

Enquanto adultos também estamos a lidar com um turbilhão de emoções: o medo, a incerteza perante o futuro, a tristeza de não podermos estar próximos de quem nos é importante, a angústia de não conseguir dar conta do recado… Este sentir da ameaça que o corona vírus representa, faz saltar de dentro de nós um instinto de sobrevivência e de proteção que deve ser refletido e transformado antes de o comunicarmos aos nossos filhos. Se eu tiver consciência daquilo que sinto, da forma como o sinto e daquilo que mais me assusta, mais facilmente eu vou conseguir minorar o impacto que a minha própria perspetiva possa ter nos meus filhos, impedindo que o meu discurso contamine a construção do seu próprio sentir.

 

✓ Filtrar a informação que nos chega através dos meios de comunicação (e quem sabe até, evitá-la)

A tarefa dos media é exacerbar a informação que assusta, levando-nos a acreditar na necessidade de estar “em cima do acontecimento” para melhor nos protegermos. E se pensarmos bem nisto, já temos toda a informação de que efetivamente precisamos: os comportamentos de prevenção, a importância de evitar o contacto social, a sintomatologia a que estar atento… e isto, é na verdade aquilo que é preciso saber, muito também porque é isto que está ao nosso alcance fazer. O número de mortes no país e no mundo ou a gravidade dos sintomas em casos específicos, constituem domínios que não estão sobre o nosso controlo e por isso aumentam a nossa ansiedade e sentimento de incapacidade. Para além disto, as crianças terão mais dificuldade em filtrar a informação que lhes chega através dos telejornais, podendo facilmente entrar em pânico com a forma como a realidade é neste contexto apresentada.

 

✓ Ensinar os nossos filhos a protegerem-se, a si e aos outros.

Explicar que o corona vírus tem sintomas semelhantes aos da gripe – febre, dor de cabeça, tosse, e que se transmite através de pequeninas gotículas respiratórias que podem ficar na nossa pele, na roupa ou nas superfícies, é suficiente para que compreendam a importância de desenvolver hábitos de saúde e de proteção individual. Explicar também que a maioria das pessoas conseguirá enfrentar a doença e que apenas uma pequena percentagem delas precisará de assistência médica, mas que é preciso protegermo-nos a todos, evitando que muitas pessoas fiquem doentes ao mesmo tempo. Fazer da lavagem das mãos um rotina frequente e divertida, ensinar a espirrar e tossir para o braço, reforçar a importância de dormir bem e de uma boa alimentação para um sistema imunitário forte, são algumas das ideias que as crianças facilmente aprenderão, compreendendo a sua importância. Agora e no futuro.

 

✓ Ouvir muito. Sempre.

Enquanto pais, tendemos a achar que temos de ter sempre todas as respostas na ponta da língua e até que devemos anteciparmo-nos às perguntas dos nossos filhos. Um truque importante, que nos ajuda a não nos desviarmos das suas reais necessidades (neste e em todos os temas), é começar todas as conversas pela pergunta: “O que é tu já ouviste dizer sobre esse assunto?” Ouvir primeiro e ir reconhecendo as emoções da criança: “Bem, isso parece realmente assustador…”, será sempre um bom princípio para todas as conversas. Depois deste “apalpar do terreno” estaremos mais capazes (e eles sentir-nos-ão mais próximos) de lhes dar mais informação e substituir algum mal entendido por factos reais e adaptados à sua idade.

E finalmente, porque não substituir o já tão conhecido “Vamos ficar bem!” por um mais consciente e real “Estamos bem!”, convidando também as crianças a um olhar mais presente e atento ao momento que estamos efetivamente a viver, bem como a todas as oportunidades extraordinárias que dele podem advir.

 

Rita Guapo
Psicóloga e formadora
ritaguapo@pesnalua.pt
www.pesnalua.pt